sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Resenha - A História do Ladrão de Corpos

Atenção: O texto que se segue pode conter alguns spoilers.

     Já vi muitas resenhas sobre o 4º livro das Crônicas Vampirescas de Anne Rice. E a maioria delas falava mal. Bem mal.
     Tão mal que cheguei a considerar nem comprar o livro e passar direto para O Vampiro Armand.
     Mas eu não fiz isso, como vocês podem perceber. Senão não estaria aqui, fazendo o primeiro post sério do meu blog.
     E que bom que não fiz isso, que tomei coragem e li o livro. Assim pude confirmar que não há nada que substitua suas próprias conclusões.
     O livro é ótimo. Tem seus altos e baixos, como geralmente possui a maioria dos livros. Mas no geral, está à altura dos livros anteriores. Achar esta ou aquela história mais interessante pode ser opinião pessoal (eu ainda acho O Vampiro Lestat e A Rainha dos Condenados os melhores livros), mas o fato é que eu vi nessa história o mesmo Lestat dos outros dois livros, e também a mesma Rice.
     Li de tudo um pouco nas resenhas que procurei, inclusive coisas absurdas como "não é o mesmo Lestat", "a Anne Rice devia estar sofrendo de um bloqueio criativo", "a história não tem criatividade", etc.
     Mas a coisa mais absurda que eu li foi a opinião de alguém - não me lembro quem nem em que blog - dizendo que ficamos o tempo todo torcendo para que Lestat não faça uma besteira que claramente vai dar errado, e ele vai lá e faz. Ou seja, esta pessoa acha que Lestat não devia ter feito o que ele faz no livro.
     Mas vamos ser mais claros. O livro é sobre o encontro de Lestat com Raglan James, um especialista em viagens extracorpóreas e possessão de corpos. Ou seja, um Ladrão de Corpos. James vem lhe fazer a seguinte proposta: trocar de corpo com ele por 24 horas, para que ele se lembre de como é ser humano, e para que ele possa saber o que é ser um vampiro.
     Lestat, extremamente tentado na proposta mas ainda desconfiado, vai procurar conselhos - e claro, todos lhe falam para recusar. É algo que tem muito potencial para dar errado. O que fazer se ele não conseguir voltar para o corpo dele? Se o ladrão fugir com seu corpo e não aceitar fazer a troca de volta?
     É claro, se eu fosse personagem do livro, eu também teria dito a mesma coisa. E Lestat sabe de todos os riscos.
    Mas Lestat aceita a proposta. E adivinhem? Sim, tudo dá errado. O ladrão o abandona e foge com seu corpo. E então ele, agora como um simples mortal, tem que ir atrás para tentar recuperá-lo.
     É compreensível que ele tenha aceitado. Ele mesmo, como narrador do livro, faz questão de explicar o momento pelo qual está passando para que entendamos a decisão dele. Ele estava, se me permitem a expressão, numa espécie de depressão vampírica; ele viveu plenamente sua imortalidade no seu século de origem, desafiou outros vampiros, descobriu segredos que nem mesmo outros vampiros sabiam, decaiu; renasceu das cinzas na década de 80, onde atingiu seu auge como cantor de rock, e quando parecia que não poderia subir mais, atingiu seu verdadeiro apogeu ao ser escolhido como amante por Akasha, a vampira original, que partilhou seus poderes com ele.
     E depois de tudo isso, o que lhe restava? Tudo tinha ficado para trás e deixado um ser verdadeiramente imortal, com poderes incalculáveis. Ele poderia fazer o que quisesse, ir para onde quiser. O que ele não poderia fazer, o que ele ainda não tinha atingido?
     O desejo secreto de todo vampiro. Ser humano novamente. A única coisa que ele sentia falta era de seus dias como humano. O que esperar então de um vampiro como Lestat, de um ser como Lestat, cujo propósito na vida é viver em busca de sensações intensas, diante de uma proposta como aquela?
      Às favas com os riscos. É óbvio que ele aceitaria.
     Aliás, achar que ele não devia aceitar é a mesma coisa que achar que Anakin não devia ter ido para o lado negro. Que Light Yagami devia ter deixado de lado aquele caderno maldito, que diz que mata quem tiver ali o nome escrito. Que a Bela Adormecida não devia ter tocado no fuso da roca. Que a Branca de Neve não devia ter aceitado a droga da maçã!
     E aí? E aí não teria história. Caso alguém ainda não saiba, são assim que são feitas as histórias - ou, pelo menos, as narrativas clássicas: existe um equilíbrio, esse equilíbrio é quebrado, e a história se move então para que esse equilíbrio seja restituído.
     Outra coisa. Os nossos heróis não são perfeitos e racionais o tempo todo. Eles também têm sentimentos, eles também falham. E a maioria das pessoas não gosta muito de ver seus heróis falhando.
     No livro, Lestat diz que todos sempre o admiraram por ser impetuoso, mas quando demonstrou fraqueza todos lhe voltaram as costas. E é isso que os leitores que disseram essas coisas fizeram. E se não entenderam porque ele fez aquela escolha, é porque não entendem o personagem. Desculpa. Ele está pleno naquele livro, assim como está pleno nos outros dois.
     Voltando às narrativas clássicas, geralmente o personagem se transforma depois de uma experiência como essa, e foi o que aconteceu. Serviu para Lestat assumir para si mesmo que, na verdade, ele estava feliz como vampiro. Gostava de ser vampiro. Ser vivo é muito difícil! Ele mesmo assume isso.
      E todos nós sabemos disso. É claro que é mais fácil ser vampiro! Imagine ser imortal... quantos de nós não teríamos dito "sim" caso Lestat aparecesse e nos convidasse para as trevas?
      Mas imagine já ser imortal por 200 anos, e mal se lembrar de como é ver o sol, beber vinho, comer ou fazer sexo.
     Voltando ao que eu disse, é compreensível sim o fato de que ele escolhe fazer a troca, sem pensar direito nos riscos. E sim, a história também é boa. Anne Rice tem um domínio de sentimentos e sensações humanas sem tamanho. Já é difícil pensar como um imortal se sentiria (você conhece algum imortal?), imagine então um imortal diante da possibilidade de voltar a ser humano. E a inaptidão de Lestat ao lidar com um corpo mortal! Ao lidar com as dificuldades humanas do dia-a-dia... que coisa mais graciosamente bem-escrita! Falta de criatividade? Queria eu ter essa falta de criatividade!

     Bom, essa é a minha opinião. Você pode discordar. Mas essa vai continuar sendo a minha opinião.